sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

(...)

Parte entanto quanto corre
Quer ser santo qual legado
Já não ousa ver o vento
De seu ponto não mais vago

Já não usa outra alcunha
Quer daquela o peito-abraço
Sê do cento parte uma
Ser do centro outro braço

E foi longe o grito agudo
De refugo mal falado
Não relembra a vida dura
Apenas come água pura
Entra mudo sai calado
Dá o pulso pr’outro mundo.

É de tudo ser confuso
Fala tanto não diz nada
Ouve muito e dá risada
Qual provérbio em desuso

Vai seguindo
Vai vivendo
Sendo.
Rindo.

Ankh
26-12-2008
Aos meus bons amigos – que sabem quem são.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Faltam Palavras

O hábito da mudança é quebrar hábitos.
É relevar ao tempo a esperança por valorizar coisas novas, coisas sonhadas e não vividas.

No calor escaldante de uma sala seca, o teclado sofre enquanto muito é pensado enquanto verbo. Certo e errado, dicotomias ausentes na constante frívola, não relatam ao mundo o desejo infindável do aceite enquanto entidade – diferente da verdade: objeto escravo.

Partindo do pressuposto da auto-afirmação, joguetes taciturnos são trocados em mesclas de convivas, egos e colegas, enquanto a vaidade queima quaisquer chances de um momento agradável. Outra vez, o imperativo triunfante é a falta de respeito de um único que, por tão somente desocupado, faz as vezes de inoportuno-insuportável.

Vícios esgueiram-se por sobre a mesa, e nos intervalos dos sorrisos e palmas escandalosas, vibrando por bobagens todas, momentos de sanidade levam a alma longe. Conhecer-se, enquanto sociável, é lamentar-se por não saber o que em verdade é um princípio: se algo que aprendemos, se algo que descobrimos, se algo que disseram ser correto.

O que é um exemplo? Quem define a coesão das posturas e agruras de cada pessoa humana? Uma certeza inconveniente ressalta à mão o tendão exposto, qual texto escrito em momento outro, de que a opção não cabe à referência em púlpito, mas ao regozijo dos ignorantes na multidão. Se não vêem a verdade enfim, é que as máscaras são boas o bastante para enganar a si mesmos.

Arauto da discórdia, estandarte das palavras dúbias, que refuga o contato contínuo com grande parte de seus congêneres por saber ser fogo-fátuo. De suas máscaras, mais vale o desconhecimento de seu passado e o convívio respeitoso que o aceitar dos erros e a valorização das qualidades: perfeito demais, foge.

“Jesus Christ looks like me” (Type O'Negative)
Com pedras na mão, apedreja a cruz que construiu por anos a fio e carregou até o topo de um vale verde e fértil, que não ostenta mais. Sendo tanto quanto a terra semeada em meio a vermes, esgueira-se na redundância dos erros passados para resolver tarefas que por tanto evitou. Se competente, desaprendido. Se ímpar, hoje apenas sem par.

E para tanto quanto busca, ser quaisquer adjetivos menos apegados à materialidade do que não possui, resta apenas areia nos sapatos que, de tão usados, vão ficar à mercê de um canto escuro, uma caixa, uma lixeira.

Ankh
19-12-2008

Absolutamente sem continuidade.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

"Célebro"

Eu me espanto
Com absurdos
Com ignorância
Com ganância
Seres arrogantes

Eu me espanco
No verbo
No incorreto
No auto-controle
Para não subjugar diferentes seres.

Espécie humana
Da raça sapiente polegar-opositora
Que em alguns momentos
Envergonha os ancestrais macacos.

Como é possível uma cultura incentivar tanto corpo com tão pouco cérebro?
Felizes dos machistas!

Ankh
16-12-2008

sábado, 13 de dezembro de 2008

Palavras sinceras, noites boêmias, resultados previsíveis.

Em dias como hoje, a carne quer ser cinza.
A memória, história.

Em tempos como agora, além da fornalha ambulante que cozinha o lombo,
Há também a fervura mental que, de lascívia e fúria,
Envolve os olhos em fugas mil.

Das mãos que tremem necessidades fúteis
O corpo inteiro em contendas inúteis
Ser homem
Não menino.

Abandonar um mundo em que ostento cargos
Herói da lascívia, mestre da imponderância
Para quem sabe um dia
Ter certeza de valer a pena.

A alma é vasta
O sentimento enorme
Os erros tantos
Que o poeta morre.

Ankh
13-12-2008

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Ato Consciente

O Vento
Como o refúgio de folhas secas
Leva o pó
E lava o mundo com fagulhas puras e pérfidas

O Tempo
Como augúrio de mortos-enterrados
Leva o só
A um campo de rosas de presença única

Outros tantos
Outros entes
Entre tantos
Tão somente
Esperam
Que o tempo, ou o vento
Reescrevam suas histórias.

Ankh
09-12-2008

sábado, 22 de novembro de 2008

With my own two hands

With my own two hands I can change the world.
With my own two hands make a better place.
With my own two hands make a kinder place.
I can make peace on earth with my own two hands.

Assistindo e ouvindo ao DVD do Pearl Jam, Live at the Garden, me pego cantando junto a música do Ben Harper que foi colocada incidentalmente no fim de Daughter.

Alguns momentos de fuga só são evidentes quando alguém próximo lhe é sincero.
A demonstração de amizade está, para mim, evidente na palavra real – nua, crua e direta.

Ontem eu vi grande parte de meu paradigma em um escopo diferente.
Uma visão de um terceiro, com coragem e confiança suficiente para dizer sem meias-palavras.
Ainda estou absorvendo o conhecimento que obtive.

O crescimento interno é reflexo puro da vontade.

Obrigado, preciso mudar ainda mais.

Ankh
22-11-2008

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

A modernidade e (é) o caos

Nascemos, crescemos, proliferamos.
Câncer?
Vírus?
O ser humano busca na relatividade da necessidade a justificativa para a auto-anulação.
Quem é e quem está certo? Qual a necessidade de questionamento?

Há questionamento?

O tempo é uma definição não-geométrica para a ausência de vontade.
O querer torna-se vinculado ao poder quando, em uma sociedade pseudo-democrática, os escravos resolvem viver por conta dos instrumentos do sistema. Trabalhar.

Trabalho, do latim Tripallium: um instrumento romano de tortura, uma espécie de tripé formado por três estacas cravadas no chão, onde eram supliciados os escravos. Reúne o elemento " tri" (três) e " palus" (pau) - literalmente, "três paus”.

Vai além?

Participar de quaisquer projetos é fato intrínseco. E fere a ausência, já que o advento do trabalho resume a vida à falta de tempo e a abnegação da cultura, da produção artística, do divertimento, da realização sócio-culturo-literário-artístico-qualquer-coisa.

Quer ou quer querer?
Não são os dias que são curtos.
Não é a ausência do tempo que nos sobrecarrega.
Da necessidade de vivermos em crescimento financeiro (Poder? Só se for poder enriquecer os outros!) vem a sujeição à massificação da mente.
Industrialização de seres humanos.

Vou colocar uma placa de vende-se em minha mão-de-obra.
E como diria um bom amigo, há muito: “sua mãe não te vende não?”.

Ankh
07-11-2008

sábado, 1 de novembro de 2008

O Inexorável Tempo

Para alguns o passar dos anos os faz ficarem mais maduros.
Quanto mais tomo consciência dos dias decorridos, mais percebo que o passar dos anos me torna mais podre.

Piadas à parte, meu tempo tem passado rápido e, neste ano, com uma intensidade assustadora.
Celebro hoje momentos de pessoas próximas, ciclos que intrigam e cativam.

À Thais, à Thatiane, ao Pedro (Zazu), ao Leonardo Dario e Monique (que vosso enlace frutifique!).

Aos tempos, aos bons tempos, ao tempo bom, aos tempos que serão ótimos.

Ankh
01-11-2008
Amanhã apodreço mais um pouco.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Ciclos



Vida cíclica.
Lembro-me perfeitamente de debates com bons amigos sobre o inferno ser a repetição.
Concordo em gênero, número, grau e marca de cerveja.

O processo de construção de uma identidade pessoal está muito além da necessidade psicológica simplista de auto-aceitação. Raízes, raízes, raízes.

Qual o objetivo da construção interior? Da edificação de posturas, do sustento de idéias e da propagação de ideais?
Pode ser tanto fidedigna de atenção, enquanto objeto de estudo sobre postura social e construção de personalidade de mercado, quanto fogo-fátuo a ser deixado de lado enquanto sustento de um estado egocêntrico e individualista.
Desses últimos... bom, já me bastam. Precisam chegar ao fechamento.
Ciclos.

-- xx –

Sê objeto de sua própria virtude
Sê consciente enquanto verbo
Construtor enquanto adjunto
Auxiliar enquanto objeto.
Adjeto.
Dejeto.

Ankh
22-10-2008

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

De egocêntrico e individualista, já me basta a frustração artística de não sair das esperanças.


Grande parte de quem me inspiro, faz/fez parte do meu passado.
Uns falecem, uns desvanecem na distância optativa.

Meus exemplos são fogos-fátuos:
Dos que não sabem o que representam, a ignorância.
Dos que conhecem meu apreço, a sentença frígida da distância-esquecimento.

Tenho por hábito atrair comentários que não condizem com a realidade que vivencio.
Alguns de admiração, outros de pura moléstia, malícia, mal-agouro.
E o momento vindouro, qual presságio do desmaio em raiva pura, é apenas um escapismo à realidade que não fere - mas dói.

Reações e ações desconcertadas – a desorientação trás à tona parte de um eu recôndito e passivo de assassinato: aquele que necessita de mudança, mas que em vã esperança foi esquecido.

Relativo é o tempo quando analisado como referência ao processo de mutação.
Sê, vê, faça.
Os impulsos são fraquezas a serem coordenadas como a mão que habilmente esmerilha a faca: para o corte preciso, no que é preciso, não se pode dar menção ao erro; sequer olhar o espelho para não gerar arrependimento.

Um breve deslize, vários momentos a serem auto-policiados e reformulados.
Mais tempo, mais movimento.
Alimento ao processo.

Ankh
24-09-2008

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Serei eu arauto da andragogia?
Provedor do verbo da maestria?
Curador acadêmico desta longa marcha.

Viverei eu como parte do descobrir alheio?
De todo aquele cujo ofício direcionar anseio?
Tal qual horizonte com linha vasta.

Mudando para participar
Participando das mudanças
Consciente enquanto humano
A mão, o peito, qual criança

Será este só outro ano?
Outro passo, outras andanças
Novos caminhos a tomar.

Incerto é o processo
Coeso como uma luva
Em uma mão que não a aguarda.
E se o sol na testa tarda
Olho o céu, espero chuva
D'onde estou não há regresso.

Espero ser o bastante.

Ankh
20-08-2008

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Pensando em virar padre

O processo de amadurecimento converge com as opções conscientes às mudanças mais simples. Hábitos, lugares, pessoas e vícios são trocados por movimentos condicionados por buscas e aspirações outrora intocáveis; o presente torna-se um mero passo ao futuro.

Em um invólucro espaço-temporal, todas as decisões pertinentes ao surgimento de um princípio novo (não no sentido de criação, mas de conclusão) são colocadas a prova; o que vale a pena torna-se um pilar, as facadas às costas são todas cicatrizadas e as palavras, qual flechas, começam a tornar-se lenha para uma pequena fogueira de vaidades. De adereços a posturas, morrer e renascer.

O Condor sobrevoa o sol poente. Em despedida, as nuvens dançam no céu das ilusões ao som da marcha humana, com o ribombar pulsante dos passos condicionados, enveredando em direção à primavera mais próxima. O combustível, palavras virtualmente escritas, dá vazão ao surgimento de novas fagulhas de compreensão.

Do corte de raízes e da poda (in) segura de sequóias:
Algumas árvores crescem mais que as demais em seu entorno. Criam raízes fortes, projetam sombras e galhos por um espaço imenso. Seu corte, sua poda, sombra, altura e finalidade são todos parte da construção de um único pilar. Quando nesta constroem-se novas sedes, novas casas, cada movimento em favor de sua reconstrução, ou de uma nova motivação visual-estético-estrutural, acarreta mudanças em vários âmbitos.
O corte, e sua queda, fazem parte do processo de renascimento. O lenhador, que manda ao chão toda uma estrutura anteriormente confiável, vê no resultado duas prováveis trilhas:
- o início de uma nova planta, com crescimento ordenado; ou o falecimento de parte admirável de uma exuberante e gigantesca forma de (a/o) vida.

(não lhe cabe decidir o melhor, apenas segurar o machado).

Muitos dos animais que coexistiam neste habitat morrerão, inevitavelmente. Do velho tronco, cujo coração fica exposto às intempéries, crescerá outra árvore, galhos, folhas.
É claro que existem várias formas de incentivar o que brota; das delicadas adubagens e chuvas ao sol e sal que seguirão o processo. Mas o novo, não será nunca o mesmo do que se esperava anteriormente.


O inferno é a repetição, ou, no caso, seria.

Franclim José Santos
29-05-2008


Postado hoje, 20-08-2008.
Pensando em quais mudanças são necessárias, quais são inevitáveis e quais deveria ter me preparado para.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Dia dos Pais

Um herói a ser honrado, uma pessoa de participação ímpar na vida dos presentes, dos ausentes, dos omissos; de todos, enfim.
Ultimamente estou nostálgico: tenho visto relações familiares peculiares.
Vi pais e filhos se reconciliarem após anos de distância.
Vi filhos com respeito e apreço imensuráveis.
Vi pais surgirem, vi filhos se tornarem pais.
Vi amigos ganharem um adjetivo que admiro e respeito, e até arrisco dizer que um dia irei querer.
Vi pais se sacrificarem por filhos.
Vi filhos fugirem.
Vi filhos se revoltarem por amar demais seus pais e não quererem admitir.
Vi pais fugirem.
Vi pais e mães brigarem pelos filhos e vi filhos brigarem pelos pais.

Todos os dias eu vejo a vida sendo celebrada.

Há pouco fizeram 19 anos de saudades.
De carinho. De bons exemplos, de caminhos a seguir, de posturas.
Até mesmo naquilo que descobri não condizer com as realidades que acreditava serem verdadeiras, cresci e aprendi: do que não concordo, pude discernir o que não pretendo me tornar.

(Me ocorre discorrer sobre “ser filho”, mas não é o caso deste texto).

Já ouvi dizerem que os filhos são uma continuação dos pais.
Não iguais, até porque os caminhos, sejam eles quais forem, são sempre sujeitos à intempérie e aos obstáculos da natureza. O resultado é que a semente germinada nem sempre produz uma árvore igual – os galhos, as folhas e os ramos serão diferentes.

Celebro aqui o dia dos pais, independente do comércio implícito na data.

Ao dia de todos os pais:
Que lutam, que sacrificam.
Que discutem, que brigam, repreendem.
Que ensinam, sorriem, ajudam a levantar.
Que sofrem, que felicitam, que são admiráveis.
Que defendem, que são defendidos, que se ofendem e tomam dores.
Que fazem o que podem, mesmo quando não parece.
Que padecem pelas dores, que vibram pelas vitórias.
Que dão início ao caminho.
Que amam.

Aos pais que são, aos que serão, aos que precisam aprender a ser e aos que foram.
Às mães que são pais.

Ankh
Escrito em 04-08-2008

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Mudança Tardia, Ainda que Necessária.

Já é tarde.
Estou há cerca de 30 horas vendo as sombras das luminárias dos carros que passam e refletem suas marcas na cortina do meu quarto.
Não entendo, mas o sono realmente não vem.

Repouso meu queixo em minhas mãos e aguardo outra luz.
Além da fumaça dos quase 70 cigarros que já fumei, há uma fresta na porta da geladeira que vez ou outra se faz de caminho para as baratas visitantes que digladiam por um pedaço de comida velha. E olha que resto velho é o que realmente não falta em minha casa.

Estou sujo.
Minhas axilas cheiram a desodorante vencido de décima oitava categoria. Até porque, fiz questão de deixar um ao meu lado para precaver caso começasse a feder suor. E o resultado foi pior: agora estou fedendo a suor e aromas baratos que me lembram aqueles bordéis velhos de esquinas escuras, com prostitutas pernetas e velhas desdentadas oferecendo serviços especiais a preços promocionais.
- Ao menos estou inspirado.

É noite.
Percebo isso pela definição das projeções das pessoas na parede em que minha mesa, ou o que sobrou dela depois da última queda, fica encostada para não cair.
Deixe-me explicar a última queda: as lâmpadas da minha casa foram todas mal instaladas, e, conseqüentemente, têm uma dificuldade imensa em acender. Para que isso aconteça, preciso sempre subir em um banco, cadeira, ou mesmo na mesa, para segurar na lâmpada e com a outra mão tocar a parede; dessa forma faço um processo de aterramento improvisado. Parece ridículo, mas funciona muito bem. Enfim, logo que cheguei, noite passada, subi à mesa para pôr em prática meu ritual de iluminação de ambientes e caí, junto com a mesa, estatelado no chão. Levantei-me dolorido, rindo, e ela quebrou uma perna.
Coitada, vai ficar escorada por um bom tempo.

Levanto-me, subo na cadeira e me estico todo até alcançar a lâmpada. Em menos de três segundos a cozinha e a sala estão iluminadas.
Sim, eu sei, elas não são separadas. Eu mesmo derrubei as paredes, com exceção das do quarto e do banheiro, para que todos os cômodos da casa fossem interligados. Diga-se de passagem, isso facilita a limpeza também.
Vou ao banheiro e tomo uma boa ducha de água fria. Ducha. Bem, pelo menos esse é o nome do chuveiro: “Ducha Power Shower 2000”. De power só o nome e o consumo de energia. Além de fria, a água cai em pingos esparsos que me esgueiro como que dançando tentando me enxaguar.

Roupas.
Pelo menos isso é razoavelmente organizado.
As sujas estão no chão, as limpas todas no cabideiro que coloquei na parede.
- Hm. Acho que não estão mais organizadas.
Cheiro algumas camisetas, como que lembrando hábitos antigos de amigos meus, e descubro entre elas uma que não está apodrecida pelo mofo. Dou um banho de perfume, caro pelo visto, na camiseta, e me preparo para sair.
- Esse aroma me lembra alguém.

Saio na rua e, conforme as reações das pessoas que me vêem, tenho a certeza de que meu semblante está péssimo. Entro no mercadinho da esquina, velho, porém limpo, e sorrio para a senhora do caixa. Ela, convalescida com meu rosto, me oferece um café e pergunta em que pode me ajudar.
- Pão de queijo, coca-cola e quatro carteiras de Camel. Por favor.
Sorrio realmente grato pelo pouco de atenção sincera que ela desprendeu a mim, e vou-me embora satisfeito em saber que a falsidade comercial sempre me agrada.
- Adoro conversar com quem sabe negociar.

Vou ao ponto de ônibus, e saboreio os borrachudos pães de queijo intercalados por longos goles de refrigerante gelado. Meus dentes doem um pouco, mas meu estômago, revoltado a princípio, acaba me agradecendo muito.
Alguns arrotos depois, eu acendo meu primeiro cigarro da noite.
- Hoje eu acho que vou longe.

Desço, quarenta e cinco minutos depois, e atravesso a rua sorrindo.
No bar estão vários amigos de longa data que me saúdam espalhafatosamente. Eu respondo à altura, e me divirto muito com este fato.
Entramos todos sorrindo, e brindamos aos bons tempos que passamos juntos. As festas, a faculdade, os acampamentos, casamentos e reuniões. Lembramos de momentos bons e ruins enquanto o álcool começa a fazer efeito.
Jogo sinuca como não jogava há anos, e sinto-me muito bem por ter saído de casa por pelos menos alguns instantes. Meus cigarros se tornam motivo de convivência, e acho que nunca cumprimentei tantos jovens viciados em tão pouco tempo.
- Opa! Camel! Arranja um p’ra mim aí meu!
- Claro, ‘tá na mão!

Bêbado, rouco, com os cabelos exalando a fumaça, desço até o centro para esperar o coletivo. Para minha sorte, vários dos meus comparsas ainda dependem do transporte urbano.
Sentamo-nos todos na calçada e comemos um lanche barato, gorduroso e fantasticamente bom, enquanto gastamos nossos últimos trocados com cervejas em uma loja de conveniências.
Algumas horas e os heróis vão tombando. O sono, o cansaço e a certeza de que a rotina vai voltar instauram em todos um silêncio crescente. Um a um vão-se embora, inclusive eu.

No ônibus eu vou sorrindo, lembrando do quanto somos considerados grandes perante os novos.
Tanto tempo gasto juntos, tantas histórias, tantas vitórias e derrotas dentro de um meio de ideais complicados, complexos e às vezes até fúteis, que fazem com que as pessoas nos admirem. É estranho, e até engraçado, fazer parte da pequena história da vida de alguém.
- Pelo menos nos próximos cinco anos eu sei que ainda lembrarão-se de nós. Depois o ciclo continua, e com certeza seremos os velhos esquecidos, ou considerados traidores da causa simplesmente por termos envelhecido e nos acomodado.
- Como é moço?
- Nada não, desculpe: Estava pensando alto.

Em casa vejo meu destino. Fadado ao fardo de não poder fugir, eu abro as portas do meu inferno pessoal. Adentro o curtume de meu escalpe em silêncio, e a chibata grita em lembrança do meu coro. Tomo outro banho, e a ressaca me tomba por cinco minutos enquanto estou debaixo d’água. Seco-me ressabiado, e visto meu traje de escravo honesto.

Calça, camisa e gravata.
Agora sou parte da sociedade infame que teme tanto meus costumes mal quistos. Pego minha pasta, retiro da geladeira uma maçã, por sorte ainda boa, lavo-a e saio comendo.
Escritório adentro, somente sementes de discórdia comercial. Não discuto, não renego, apenas mantenho minhas palavras enquanto muitos se revoltam com minhas decisões.
Não sou chefe, não sou dono, mas sou respeitado apesar das discrepâncias.

Ganho pouco e faço muito. Se não recebo aumentos é porque não me curvo às necessidades corruptas de crescer à custa dos outros. Alguns cresceram dessa forma, e ainda assim me respeitam muito. Talvez pelo tempo que estou aqui, ou por saberem que sou incorruptível.
Meu estômago ronca algumas vezes, e na terceira ouço a secretária contendo o riso. Entro na brincadeira, estapeio minha barriga e reclamo a responsabilidade por meus trovões esfaimados. Sorrimos, conversamos balelas triviais sobre o fim de semana e retornamos a nossos postos como que casados mal amados em silêncio após a cópula descontente.

Compadeço enquanto aguardo o horário do fim da labuta.
É insuportável, é destruidor ser parte de tamanha chaga no fomento da democracia. Mas sou, e sem orgulho algum eu volto pra casa.

Durmo como criança até as 2 horas da madrugada. Levanto e saio para passear.
O tempo passa em meio às arvores, e minhas raízes estão todas enrugadas, cheias, estressadas.
- Amanhã me demito.

Amanhece e vou para a empresa.
Admito até ter ficado surpreso com a comoção de meus colegas quando anunciei que estava saindo. Após 21 anos de trabalho dedicado, meu chefe sentiu-se praticamente traído e relutou a aceitar minha demissão.
- Tire férias, mas não saia da empresa. Sessenta dias, que tal?
- Ok, boa proposta. Quando eu voltar conversaremos de novo. Sete anos sem férias, vai ser bom mudar um pouco de ares.

Em dois dias estou em outro estado, cercado de pessoas conhecidas e que não tenho a mínima noção de quem realmente são. Sei seus nomes, até os conheci bem há quinze anos.
- O tempo passa para alguns de nós. E para alguns desses alguns, passa ainda mais rápido.
Festas, comilança, fartura. E o que realmente não falta é falsidade.
Saio da casa de alguns parentes com a certeza de que a instituição família é uma merda, que grande parte do que me perguntaram será motivo de chacotas e fofocas por pelo menos uma semana.
- Ao inferno.

Volto pra casa após três semanas, certo de que teria aproveitado muito mais se não tivesse viajado.
Pego o que me resta de dinheiro, que apesar do sufoco não é pouco, e invisto.
Um bar modesto, em um bairro próximo ao centro, e quem sabe meu futuro esteja um pouco menos turvo.
Abro-o sem muitos preparativos, com a intenção de que seja uma casa para companheiros e comparsas. Na inauguração, uma semana após ter chegado, cerca de 80 pessoas me deram o privilégio de sua presença. E admito que eu e meus 3 funcionários ficamos surpresos com o movimento.
Cerveja, comida e sinuca são dispensadas naquela noite em que decidi mudar o rumo da minha vida.
Muito trabalho, muitas despesas, e a certeza de que pouca coisa vai mudar.
Pelo menos agora faço o que gosto.

Tenho dormido bem. Pouco, mas bem.
O bar está cada vez melhor, e já comprei a casa ao lado para montar um palco fixo. Vai ser uma pequena casa de shows, aquela história de pequenos pubs com bandas. Dá pouco lucro, mas muita alegria.
E assim eu vou.


Ankh
20-10-2004


obs.: ontem foi uma boa noite entre amigos. Reli este texto, ao acaso, e decidi postar.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

There and Back Again.







Foto (cropada e roubada) by Thais Julianne

Não sou bom em solilóquios, acredito que nunca o tenha sido.

A idéia do surgimento deste vem de encontro com a necessidade de retomar o processo escrito - seja pelo incentivo de meus bons amigos, seja pela satisfação em demonstrar em letras o que meu verbo nem sempre condiz - e, em suma, produzir.
O processo criativo.
(Criar?)
Reciclar idéias, renovar conceitos, buscar respostas através do questionamento auto-indutivo, incentivar pela escrita o fim da omissão enquanto ser humano consciente.
Tendencioso talvez, sincero sempre.

Finalizando este preâmbulo:
- Oi, olá, seja bem-vindo. Não espere palavras suaves.
A verdade é bela, mas costuma doer - mesmo em ficção.